Friday, December 16, 2005

Qual é a dificuldade?

Sério, fico impressionada como as pessoas sentem dificuldade de encarar o cérebro como um órgão como outro qualquer.
Parece bem fácil de entender pq um diabético não quer o primeiro pedaço do bolo, pq um hipertenso não quer a deliciosa picanha bem salgadinha, com tempero especial, mas quando se trata de entender pq alguém fica triste mesmo ganhando um beijo de amor, vira ingratidão.

Com esse texto vou tentar explicar de uma vez por todas como isso se encaixaria no conceito de DOENÇA. Vamos lá que um pouco de fisiologia não faz mal a ninguém. Para entendermos o funcionamento deste simples órgão é preciso conhecer sua unidade básica: O NEURÔNIO. (se eu conseguisse colocar fotinhos com certeza ia ficar mais ilustrativo, mas meus neurônios não são capazes disso). Ah! Devo alertar àqueles que acreditam em alma e força maior para que não leiam o resto do texto, pois não fará sentido mesmo, neste caso, não é doença, é falha da alma, ou força maior.

Bem, voltando ao neurônio, basicamente ele é dividido em três partes, os dendritos, o corpo celular e o axônio.

Os dendritos são responsáveis por captar a mensagem, o corpo celular é responsável por interpretá-la e enviar ao axônio ferramentas para passar a diante a nova ordem (assim, bem jardim de infância), e o axônio responsável por passar ao próximo, ou próximos neurônios, a informação. Os símbolos usados pelos neurônios para receber a ordem e passar a diante são símbolos elétricos e químicos, mantidos de maneira bem conservada na natureza. Para sinais elétricos usa-se sódio e potássio e para os químicos, adrenalina, noradrenalina, serotonina e muitos outros, tb mantidos. O grande problema está nas pequenas diferenças (como sempre), cada código genético traz marcado em si, como herança, essas pequenas diferenças, seja nas moléculas que vão levar informação, seja nas que vão guardar e seja nas que vão responder.

Pense numa memória, duas pessoas presenciam a mesma cena (só lembrar do Tarantino, mestre dos pontos de vista), porém cada uma lembra de uma maneira, chega a ponto dos fatos serem distorcidos pela lembrança, isso se dá pq cada um vai usar moléculas diferentes para guardar essa memória e vai usar lugares diferentes no cérebro para guardar a mesma memória e se as moléculas que recebem a informação, que as interpretam, e que as reutilizam são diferentes...percebe que jamais teremos duas memórias iguais, pelo simples fato de duas pessoas serem sempre diferentes!

Daí o espertinho de sardas levanta a mão. “Mas e os gêmeos, que tem a genética igual? Não guardariam a memória igual?” Daí entra a maravilha do Cérbero Homo Sapiens! Para conseguir ser quem somos a natureza teve que realizar algumas modificações, para termos o maior cérebro proporcional à massa corporal, precisamos nascer com cabeças relativamente grandes. Para andarmos como bípedes precisamos estreitar a bacia. E daí criou-se um grande problema, considerando que não daria para deixarmos de ser mamíferos, uma cabeçona teria que passar por uma estreita bacia. O problema foi resolvido com o nascimento de prematuros mentais. Quando um humano nasce, seu cérebro, está muito atrás dos outros órgão, em termos de desenvolvimento. É só comparar, aos seis meses de vida as funções estão prontas, o coração bate, o pulmão respira, mas a criança não anda, não fala e não segura coisas direito. Diferente dos outros animais, que mal nascem já estão correndo dos leões ou com os leões.

Isso causa então, que parte do desenvolvimento do cérebro se dá fora do útero, em contato com o mundo cruel. Agora, senhoras e senhores, um pouco de embriologia. Putz, esqueci de dizer que pro cérebro funcionar é preciso que haja conexão entre os neurônios, deve haver o neurônio que traz a informação e o que responde (jardim de infância de novo). E para a nossa felicidade e contribuindo para a minha enrolação, um neurônio não é igual ao outro, o ambiente em que ele se forma faz com que partes do código genético sejam ativadas ou desativadas, dando a eles diferentes funções. Tá, ufa!

Bom, quando o nenê nasce, ele tem algumas conexões feitas, bem poucas tendo em vista suas capacidades, e dependendo de como o mundo a sua volta se apresenta ele forma outras. Por isso gêmeos não são iguais, o mundo não é igual pra eles e isso basta para fazê-los diferentes. Explicando melhor, gêmeo número um, por uma pegadinha do destino vê sua mãe acordar com uma máscara verde no rosto, isso será suficiente para que o estímulo visual leve uma mensagem ao cérebro que grava “essa coisa verde comeu minha mãe” isso faz com que alguns genes sejam desligados e outros ativados e forma uma nova via de informações com uma determinada linha de resposta para o futuro. O outro gêmeo nunca viu isso, portanto não formou essa linha, portanto não têm essa opção de resposta. Ufa! Se você chegou até aqui você é um vencedor e não desista agora pq a coisa tende a melhorar, espero.

Agora vou tentar cumprir meu objetivo e mostrar para todos que certas respostas não são falha de caráter, ou por simples vontade pessoal. Vamos encarar uma experiência com doze crianças e dois órgãos diferentes.

Estudo 1
Criança Genética Estímulo externo Órgão afetado Resposta
1 suscetível álcool na mamadeira fígado cirrose
2 suscetível leite materno fígado sem doença
3 sã álcool na mamadeira fígado sem doença
4 sã leite materno fígado saúde de ferro
5 defeito leite materno fígado cirrose
6 defeito álcool na mamadeira fígado tango argentino
Estudo 2
7 suscetível família quebra barraco cérebro depressão
8 suscetível família folha cérebro sem doença
9 sã família quebra barraco cérebro sem doença
10 sã família folha cérebro Buda
11 defeito família folha cérebro depressão
12 defeito família quebra barraco cérebro Charles Manson


Será que agora deu pra entender? Doença mental não é culpa da pessoa, acontece que a resposta que cada um dá para as dificuldades da vida são diferentes, no mínimo pq a genética é diferente e isso também pode adoecer, como qualquer outra coisa e o que era de um jeito passa a ser de outro, ou alguém aqui acha o Zeca Pagodinho normal?

A moral da história é entender que para as respostas serem dadas elas antes passam por um lugar que as acolhe, outro que as interpreta e outro que as guarda e depois de se rever estas etapas é que se toma a decisão. Se há defeito em alguma dessas etapas, como então saber que a resposta é a errada?

Eu sei que o assunto não é tão simples, nem vai ser esclarecido em tão poucas linhas (pra quem leu, infinitas linhas) por isso gostaria que se alguém tivesse alguma pergunta por mais sardinhas que elas tenham perguntem, por favor, vamos acabar com o preconceito contra essas doenças e tornar a vida e a cura dessas pessoas possíveis.
(Cissa, as sardinhas não foram pra vc!)

Tuesday, December 06, 2005

Nevermore

Hoje o suicida da reitoria ganhou nome, sobrenome e apelido, se chama Herman. O Herman da bola de basquete e da macoinha, da super dieta efetiva, da peteca. O Herman que fazia cara de bravo no final do jogo, o que sempre tirava a camisa, o que dava lugar para outros jogarem, o que fez uma menina chorar. Que eu passei mais de um ano observando, criando uma identidade, cada dia com alguma novidade.

Tantas vezes tentei descobrir o que ele fazia, História, diz a folha A4 presa na porta da reitoria, como ele conseguiu emagrecer tanto, do que ele gostava, que amigos ele tinha, qual era sua filosofia de vida. Tantas perguntas ensaiadas e sempre a mesma certeza, um dia a gente se encontra numa festa por aí e eu pergunto tudo isso, deixa pra amanhã.

Diz que na queda fica-se menor, de 1,90 passou a 1,80, assim ficou difícil de reconhecer. O suicida agora tem rosto, a mala que ficou na sala de aula virou mochila, uma vermelha e preta. Diz que tinha remédios dentro. Consigo ver seu rosto ao cair, seu corpo se esgueirando pela janela do décimo andar. Consigo até fechar seus olhos e perguntar:

--Oi, você é o Herman, né?

Sunday, December 04, 2005

Coisas Belas

Então, pra quem pensou que este blog era apenas destinado às minhas fúrias e revoltas estava bem engando.
Pretendo também mostrar com certa periodicidade, as maravilhas da Terra, e começo pela minha maior maravilha...

JOANA FRANCESA

Tu ris, tu mens trop
Tu pleures, tu meurs trop
Tu as le tropique
Dans le sang et sur la peau
Geme de loucura e de torpor
Já é madrugada
Acorda, acorda, acorda, acorda, acorda
Mata-me de rir
Fala-me de amor
Songes et mensonges
Sei de longe e sei de cor
Geme de prazer e de pavor
Já é madrugada
Acorda, acorda, acorda, acorda, acorda
Vem molhar meu colo
Vou te consolar
Vem, mulato mole
Dançar dans mes bras
Vem, moleque me dizer
Onde é que está
Ton soleil, ta braise
Quem me enfeitiçou
O mar, marée, bateau
Tu as le parfum
De la cachaça e de suor
Geme de preguiça e de calor
Já é madrugada
Acorda, acorda, acorda, acorda, acorda

Chico Buarque de Holanda

Escolhi essa música não por ser minha predileta, mas por ser o motivo pelo qual considero Chico Buarque o maior letrista de todos os tempos. Ele conseguiu ganhar do Cole Porter por ser o único a dominar poéticamente duas linguas, porque para Chico Buarque não basta ser foda no português, tem que ser no francês.

Com um mínimo de esforço pode-se perceber que esta música é cantanda em duas vozes, um em francês e outra em português que são o tempo todo confusas mas separadas pela língua e principalmente pela melodia (os imperativos também ajudam na confusão, só que dessa vez vou deixar pra lá).

A beleza da música está na junção perfeita entre o francês e o português, qdo o amante canta: Já é madrugada, acorda, acorda, acorda... O som das palavras provoca uma confusão entre as línguas sendo no português "acorda" e no francês "d´acord" que quer dizer de acordo.

Neste momento um dos amantes canta: Já é madrugada, acorda
e o outro responde: d´acord
e numa mistura quase imperceptível de sons sabe-se que o amor é correspondido.

CHICO BUARQUE É MUITO FODA!